sábado, 20 de setembro de 2014

O QUE É UM JUIZ PRAGMÁTICO?

Sistema processual brasileiro?

Primeiramente, é necessário dizer o que não é um juiz pragmático.
NÃO!!! Resolutamente não é o juiz que resolve tudo na prática, sem cuidado algum. Também não se trata de um juiz que quer, a todo curso, livrar-se de processos, diminuir estatísticas, cumprir metas, ainda que comprometendo a qualidade da prestação jurisdicional oferecida. A "jurisprudência defensiva" não é pragmática.

O Juiz pragmático é aquele que segue o método pragmático para a produção de soluções processuais. 

O Juiz pragmático tem características que o destacam:

1. A compreensão de sua meta fundamental: Ele compreende que a sua missão é prestar um serviço público de qualidade: a prestação jurisdicional. Não qualquer resposta. A prestação jurisdicional deve ser, ao mesmo tempo, adequada, efetiva e tempestiva, conforme as promessas contidas na Constituição. Nem só efetividade, nem só segurança. Equilibra-se nessa tensão fundamental do sistema processual.

2. Consequencialismo e responsabilidade pessoal: O Juiz pragmático mede as consequências práticas das suas decisões, seja em relação às partes do processo, seja em relação ao sistema processual como um todo. Como parcela do poder político, assume a responsabilidade por essas consequências, não imputando a mais ninguém (ao legislador, por exemplo), os desastres ou injustiças decorrentes daquilo que decide.

3. Não-comodismo e criatividade: Se o sistema processual não oferece soluções adequadas para problemas práticos da jurisdição cotidiana, o Juiz pragmático não se acomoda e busca opções criativas para a resolução desses problemas. Busca a criatividade do gestor público. Raciocina interdisciplinarmente. Consegue usar a imaginação para inovar.

4. Antirracionalismo: Se o sistema processual apresenta soluções defasadas e inadequadas, que não funcionam na prática ou prejudicam a prestação jurisdicional de qualidade, o Juiz pragmático não se constrange em afastar essas soluções, substituindo-as por outras, que atendam melhor as exigências da realidade atual.

5. Contextualismo: Jamais decide segundo conceitos, princípios ou regras abstratas sem cotejá-las com as peculiaridades do caso concreto, distinguindo o que é realmente aplicável e avaliando as consequências práticas da aplicação proposta.

6. Cooperação: O Juiz pragmático é cooperativo, não por princípio, mas porque sabe que o diálogo e a colaboração processual são os melhores caminhos para produzir soluções pragmáticas, que atendam, com economia e eficiência, os propósitos da prestação jurisdicional. O Juiz pragmático prestigia a oralidade processual. A imediação é a regra. Ouve as partes, os advogados. Conversa com a sua equipe. Abre-se às opiniões externas. Faz audiências públicas, ainda que não previstas em lei. Radicaliza as inspeções judiciais. A audiência preliminar participa do seu cotidiano de trabalho. O Juiz pragmático é democrático!

7. Empirismo responsável: No ambiente de cooperação processual, o Juiz pragmático testa as soluções processuais propostas. Só a experiência pode confirmar a adequação de uma solução. Se essa solução não funciona ou prejudica será cessada e substituída. Não será repetida. Mas se der certo, se valeu a pena, será repetida e divulgada para inspirar novas decisões e a modificações do sistema processual na esfera legislativa. Quantas leis não representam apenas a positivação de soluções de sucesso criadas pela jurisprudência?

O Pragmatismo Jurídico começa a ser pensado no Brasil.


quarta-feira, 3 de setembro de 2014

MENOS PROCESSOS INDIVIDUAIS, MAIS PROCESSOS COLETIVOS

Como é possível esperar uma jurisdição de qualidade com um número tão exorbitante de processos?

ACESSE O INTEIRO TEOR DO PROJETO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS PARA INSTITUIR UMA NOVA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA (PL 4484/2012):


Tenho insistido que não é possível esperar uma prestação jurisdicional de qualidade com um número tão elevado de processos. 
Para possibilitar uma comparação, confira os dados do IBGE sobre o tamanho da população brasileira:


São mais de 200.000.000 de habitantes.
Segundo os dados do CNJ 2013, tínhamos mais de 92.000.000 de processos. Estamos em 2014. Com certeza já passamos a marca de 100.000.000 de processos, distribuídos em todos os ramos do Poder Judiciário.

Assim sendo, temos aproximadamente 1 PROCESSO para cada 2 HABITANTES!!!!!!!

É hora de pararmos para pensar, seriamente, nas propostas pragmáticas para REDUZIR PROCESSOS, SEM REDUZIR A PROTEÇÃO A DIREITOS.

Uma das propostas nesse sentido é a ampliação e a modernização do processo coletivo. 

O processo coletivo contém esta promessa pragmática: diminuir processos, sem diminuir a qualidade da jurisdição. Se pela via da ação coletiva o indivíduo pode obter, com menor custo pessoal e menor onerosidade para os serviços judiciários, o mesmo direito material que obteria numa ação individual, qual é o sentido prático, e mesmo garantista, em se apostar na autonomia da vontade para a propositura de ações individuais? O que se garante com isso? Se o processo é instrumento a serviço do direito material, não é possível concebê-lo como instrumento a serviço de si mesmo. Se o direito material pode ser bem servido pelo processo coletivo (com os aperfeiçoamentos pragmáticos), não há razão (a não ser racionalismo) para insistir numa liberdade individualista, vazia de consequências úteis. É a “sedução do individualismo” referida por OWEN FISS.

O PL 4484/2012 caminha no sentido de racionalizar o processo judicial brasileiro através das ações coletivas, inclusive adotando soluções pragmáticas para o cumprimento de sentenças coletivas (como, por exemplo, o cumprimento "administrativo" da sentença, sem a necessidade de execuções individuais). A ideia é resolver milhares de litígios através de uma só ação (inclusive na execução). É a conhecida "molecularização" das demandas, tão bem referida por KAZUO WATANABE. Certamente que milhares dessas ações que superlotam o Judiciário nacional poderiam ter sido resolvidas através de uma única ação coletiva.

Mas o PL 4484/2012 é uma repetição do anterior PL 5139/2009, o qual foi sumariamente rejeitado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, por "falta de discussão com a sociedade".

O que foi o PL 5139/2009?

Por iniciativa do Ministério da Justiça, foi formada uma Comissão de Juristas para produzir um texto que expressasse a adequada atualização da Lei da Ação Civil Pública. Essa Comissão de Juristas (Portaria 2.481/2008-MJ) foi presidida pelo então Secretário da Reforma do Poder Judiciário e atual Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Rogério Favretto, e composta por processualistas de escol, com trabalhos relevantes na área do direito processual coletivo (Ada Pellegrini Grinover; Aluisio Gonçalves de Castro Mendes; André da Silva Ordacy; Antonio Augusto de Aras; Antonio Carlos Oliveira Gidi; Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida; Elton Venturi; Fernando da Fonseca Gajardoni; Gregório Assagra de Almeida; Haman de Moraes e Córdova; João Ricardo dos Santos Costa; José Adonis Callou de Araújo Sá; José Augusto Garcia de Souza; Luiz Manoel Gomes Junior (relator); Luiz Philippe Vieira de Mello Filho; Ricardo Pippi Schmidt; Rogerio Favreto (Presidente) e Sergio Cruz Arenhart).

A Comissão de Juristas tomou o cuidado de garantir que o anteprojeto apresentado fosse produto de ampla discussão democrática com todos os setores envolvidos, realizando inúmeras audiências públicas pelo Brasil afora, o que torna incompreensível a rejeição sumária do projeto na Câmara. Eu mesmo participei de uma das audiência públicas realizadas em Curitiba, no salão nobre da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

O PL 4484/2009, de autoria do Deputado Federal Antônio Roberto (PV-MG), praticamente repete aos mesmos termos do PL 5139/2009. Não inova substancialmente, trazendo os mesmos institutos elaborados pelo anteprojeto da Comissão de Juristas instituída e apoiada pelo Ministério da Justiça, após amplo debate com a comunidade jurídica nacional. Procede, apenas, a algumas correções que, de fato, melhoraram ainda mais o projeto anterior.

Dep. Antônio Roberto (PV-MG)
Quem tem qualquer compromisso com a efetividade e racionalidade do sistema processual deve apoiar esse projeto. E deve ir além, cobrando dos deputados federais a sua imediata aprovação, sem cortes que comprometam as soluções pragmáticas por ele esboçadas.

Uma das obras mais importantes e modernas sobre o processo coletivo, de autoria do Prof. Dr. Sérgio Cruz Arenhart, um dos membros da Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto para a nova Lei da Ação Civil Pública